Número de jurados no conselho de sentença como legitimidade dos veredictos

A Suprema Corte dos Estados Unidos reconhece o "julgamento por jurados" [1], descrito na Constituição (artigo III, seção 2 e na 6ª Emenda), conforme o entendido e aplicado na common law que inclui os seguintes elementos essenciais: 1) que o júri seja composto por 12 pessoas, nem mais nem menos [2]; 2) que o julga­mento seja celebrado na presença e sob supervisão de um juiz que te­nha o poder de instruí-los sobre a lei e assessorá-los a respeito dos fatos; 3) que o veredicto seja unânime.

Desde uma investigação histórica até pesquisas empíricas atuais, o número de doze jurados foi atingido passando pelos mais diversos povos e por uma espécie de tentativa e erro, ficando conformado após mais de 800 anos de evolução. Torna-se o ideal para garantia de cinco elementos: ampla representação da comunidade; redução do erro judicial; um número significativo de juízes cidadãos; possibilidade de se atingir veredictos unânimes; e um tamanho manejável para a administração de um sistema de justiça [3].

Ao longo desses séculos e nas mais diversas culturas, muitas foram as composições no número de jurados [4]. Desde os gregos, que julgavam com altíssimo número de julgadores — que variavam entre duzentos, quinhentos ou mil —, passando pelos povos romanos e antigos germânicos, até hoje esse número veio se adaptando e há relatos de jurados compostos pelos mais diversos números. No entanto, foi quando os escandinavos do rei Rollo inva­diram a Normandia que o ideal conformado por doze pessoas se estabeleceu, pois levavam esse número de compurgatores para dar seu testemunho nos julgamentos populares [5].

De forma sucinta, Dwyer assevera que o sistema com 12 jurados "funciona bem", vez que "o número é suficientemente alto para proporcionar uma sabedoria coletiva e uma forte representação, e suficientemente baixo para permitir deliberações colegiadas que, quase sempre, conduzem a um veredicto unânime" [6].

O número (considerado adequado em grande parte do mundo que adota o modelo de júri popular e elevado considerando o modelo brasileiro) é também uma das garantias de controle dos veredictos. Há um duplo controle nas decisões emitidas pelos cidadãos leigos: um endógeno (ou endoprocessual) e um exógeno (ou extraprocessual). Este último se verifica mediante o que foi suscitado pelo promotor, das instruções do juiz aos jurados e da transcrição de todo o julgamento que permitirá uma eventual impugnação aos tribunais por meio de recurso. O primeiro se obtém por meio do elevado número de integrantes, da garantia da deliberação e da exi­gência de unanimidade [7].

O fato é que tanto a integração tradicional de doze jurados como o veredicto unânime estabelecem uma decisão de maior qualidade [8], produto de uma profunda deliberação, oferecendo mais garantias ao acusado [9]. A imposição de unanimidade na decisão do colegiado se vincula diretamente a uma fundamentação racional do veredicto por íntima convicção [10].

No júri brasileiro, sete jurados decidem a causa por maioria simples, conforme suas liberdades de convencimentos. Deste cenário, surge a possibilidade temerária de se condenar alguém pela margem mínima de 4 votos a 3, ocasião em que o acusado será responsabilizado mesmo quando 43% dos jurados decidiram pela sua absolvição. A reboque, surge um questionamento extremamente importante: o standard probatório beyond any reasonable doubt (para além da dúvida razoável) tem aplicação no procedimento do júri?

No processo penal brasileiro, para um acusado ser desconstituído da sua condição de inocente, é necessário que acusação produza provas lícitas e necessárias que sejam capazes de indicar a autoria e materialidade delitiva para além de qualquer dúvida razoável (beyond a reasonable doubt) [11]. Eventuais dúvidas devem ser suportadas pelo Estado, que tem o ônus de produzir as provas, e não pelo acusado, a quem é assegurado constitucionalmente o status de inocente. O princípio do in dubio pro reo nada mais é do que uma materialização da presunção de inocência enquanto norma probatória.

Pensamos que, em uma votação cujo placar seja 4 a 3 votos em favor do Estado, não resta preenchido o juízo de convencimento apto a justificar um decreto condenatório, porquanto a acusação não conseguiu trazer aos autos um conjunto probatório capaz de demonstrar a culpabilidade do réu de forma indene de dúvidas. Nada pode ser mais expressivo do estado de dúvida quanto a diferença de único voto. De um grupo de sete pessoas, três acenaram pela absolvição do réu. Mas, em razão de um voto de diferença, ele foi considerado culpado e terá que enfrentar todas as mazelas decorrentes de uma condenação.

Outrossim, essa condenação indubitavelmente duvidosa dificilmente será revertida em sede de apelação. A uma, porque os jurados possuem soberania decisória e não justificam as tomadas de decisão, o que dificulta os argumentos defensivos em torno da necessidade da cassação da sentença. A duas, porque o entendimento atual no STJ é no caminho de que "o artigo 593, inciso III, alínea d, do Código de Processo Penal deve ser interpretado de forma estrita, permitindo a rescisão do veredicto popular somente quando a conclusão alcançada pelos jurados seja teratológica, completamente divorciada do conjunto probatório constante do processo" (STJ, AgRg no HC 482.056-SP, relator ministro Antonio Saldanha Palheiro, j. em 2/8/2022).

Para extirpar o problema acima narrado, e conferir maior legitimidade às decisões do tribunal popular, diversos juristas já sugeriram a alteração do número de integrantes do Conselho de Sentença, como o aumento para nove ou 11, acrescido da exigência de uma maioria qualificada para condenar (como acontece na França [12]).

A Lei 11.689/2008, que fez mudanças importantes no procedimento do júri, perdeu a oportunidade de equacionar o número de jurados no ordenamento brasileiro. O PLS 8045/2010 que trata do novo Código de Processo Penal, atualmente na Câmara dos Deputados (derivado do PLS1 156/2009), prevê o aumento para oito membros do Conselho de Sentença. Em caso de empate, o que caracteriza uma dúvida objetiva, a absolvição se impõe. Já para condenação seriam necessários cin­co votos, ou seja, que ao menos 62,5% dos jurados decidam pela responsabilidade do acusado. Trata-se de um número ainda distante do standard seguro, cuja importância transcende as mais básicas garantias individuais do cidadão. No entanto, já representa um avanço, pois o simples fato do número oito ser par já implica maior amplitude de defesa pelo aumento da diferença mínima para se condenar.

Ainda sobre o PL 8045/2010, há a previsão de uma deliberação entre os jurados, proposta bastante elogiável. No entanto, o ideal seria, como já decidido, testado e discutido em diversos países e por cortes internacionais, que a decisão após deliberação fosse unânime. Nunca é demais lembrar que, a partir do momento em que o conselho de sentença decide pela íntima convicção sem necessidade de fundamentar o veredicto, são as garantias procedimentais (dentre elas a de decisão unânime e de um número adequado de jurados) que suprem o papel de assegurar um julgamento justo.

Por fim, é recorrente o discurso de que o júri é uma expressão do regime democrático no processo penal, pois permite a participação direta do povo na construção da Justiça. Pensamos que, para que a decisão dos jurados não represente uma visão reducionista do que seja democracia, ela não pode ser tomada por uma maioria simples, dentro de um universo de apenas sete votantes. Frise-se, a diferença de apenas um voto não é suficiente para condenar, encarcerar e estigmatizar alguém como criminoso.

No contexto de um verdadeiro Estado democrático de Direito, com postulados garantidores da liberdade, uma condenação pelo tribunal popular somente se legitima quando amparada por uma decisão unânime ou, pelo menos, por uma maioria qualificada de votos, preferencialmente em um universo de 12 jurados.

 

[1] Patton v. United States, 281 U.S. 276 (1930).

[2] A Suprema Corte norte-americana, no julgamento do caso Burch v. Louisiana (1979), decidiu pela inconstititucionalidade dos veredictos de cinco votos contra um, nas causas penais de competência da jurisdição estadual.

[3] HARFUCH, Andrés. El veredicto del jurado. Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Ad-Hoc, 2019. p. 441.

[4] Sobre o assunto, sugerimos a leitura do Manual do Tribunal do Júri, Capítulo 1. PEREIRA E SILVA, Rodrigo Faucz; AVELAR, Daniel Ribeiro Surdi de. Manual do Tribunal do Júri, São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021.

[5] HARFUCH, Andrés. op. cit.

[6] DWYER, William: In the hands of the people, Thomas Dunne Books, St. Martin’s Press, Nueva York, 200. p. 172

[7] HARFUCH, Andrés. Inmotivación, secreto y recurso amplio en el juicio por jurados clásico. Revista Derecho Penal. Año I, N° 3. Ediciones Infojus, p. 126.

[8] Sugerimos também a leitura dos artigos aqui da coluna: "A unanimidade e a deliberação no júri" e "Tribunal do Júri: deliberação entre os jurados aumenta a qualidade das decisões".

[9] O princípio 3 dos "Principles for Juries and Jury Trials" da American Bar Association (ABA), prevê que o júri deve ser composto por doze pessoas. São dezenove princípios gerais destinados a nortear os procedimentos e práticas a serem implementados nos tribunais de júri: "PRINCÍPIO 3 OS JURADOS DEVEM TER 12 MEMBROS B. O júri em casos criminais deve consistir em: 1. Doze pessoas se a pena imposta for de mais de seis meses de reclusão". Para acesso ao documento, acessar: http://aja.ncsc.dni.us/2008AnnualConferenceEducationSessions/Mize-ABAjuryprinciples.pdf

[10] LETNER, Gustavo. El veredicto unánime y sus efectos sobre el funcionamiento del jurado. II Congreso Internacional de Juicio por Jurados 1ª ed., Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Editorial Jusbaires, 2015.

[11] SAMPAIO, Denis. A Valoração da Prova Penal. O problema do livre convencimento e a necessidade de fixação do método de constatação probatório como viável controle decisório. 1ª. ed. Florianópolis: Emais, 2022.

[12] SCHRITZMEYER, Ana Lúcia Pastore. Provas Periciais e Testemunhas nos Plenários dos Júris Brasileiro e Francês: reflexões comparativas antropológico-jurídicas. In Estudos em Homenagem aos 200 anos do Tribunal do Júri no Brasil. Rodrigo Faucz e Daniel Avelar (Org.). São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022.

  • Lisandra Panzoldo

    é bacharelanda em Direito pela Universidade São Judas Tadeu (USJT), estagiária da Defensoria Pública de São Paulo — Unidade Júri e autora do livro "O Tribunal do Júri no Brasil e na Argentina. Estudo Comparado" (publicado também na Argentina).

  • Rodrigo Faucz Pereira e Silva

    é advogado criminalista, pós-doutor em Direito (UFPR), doutor pelo Programa Interdisciplinar em Neurociências (UFMG), mestre em Direito (UniBrasil), coordenador da pós-graduação em Tribunal do Júri do Curso CEI, professor de Processo Penal da FAE e do programa de Mestrado em Psicologia Forense da UTP.

  • Gina Ribeiro Gonçalves Muniz

    é defensora pública do Estado de Pernambuco e mestre em Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade de Coimbra.

  • Denis Sampaio

    é defensor público, titular do 2º Tribunal do Júri do Rio de Janeiro, doutor em Ciências Jurídico-Criminais pela Faculdade de Lisboa (Portugal), mestre em Ciências Criminais pela Ucam-RJ, investigador do Centro de Investigação em Direito Penal e Ciências Criminais da Faculdade de Lisboa, membro consultor da Comissão de Investigação Defensiva da OAB-RJ, membro honorário do Instituto dos Advogados Brasileiros e professor de Processo Penal e autor de livros e artigos.

Link para acesso: https://www.conjur.com.br/2023-mar-11/tribunal-juri-numero-jurados-conselho-sentenca-legitimidade-veredictos/

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